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O médico e o direito penal
17/03/2006
Está no Código Penal Brasileiro, ''matar alguém: Pena - reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos (art.121)''. Logo adiante, no parágrafo 4º, lemos: ''No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou oficio, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro a vitima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio a pena é aumentada em um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos''.
Toda vez que se entender, em tese, que a morte de um paciente se deu não porque tinha de acontecer, mas porque o médico foi o culpado, o doutor estará submetido ao rigor legal. Temos lidado com os médicos que estão tendo esse dissabor de se verem processados pelo crime de homicídio. Aliás, mais que um dissabor, uma verdadeira via crucis para quem vive em prol da saúde e da vida, com um padrão ético de conduta profissional.
Não são muitos, graças a Deus, os que vivem esse martírio. Porém, assim como nas ações indenizatórias (responsabilidade civil médica), observamos um certo desvio na forma de alguns interpretarem a conduta médica e, erroneamente, na maioria das vezes por emoção, colocá-la como supostamente enquadrada num tipo penal.
A morte é inexorável. Entretanto, pode-se dizer que os seres humanos jamais se preparam para ela e, ao perderem um ente querido, tendem a iniciar uma busca para encontrar um culpado para o triste evento. É bem verdade que não se costuma ver cirurgiões oncológicos ou cardíacos serem processados na Justiça pelo crime de homicídio, pois de alguma maneira e por alguma razão óbvia, o parente que fica não consegue encontrar lógica para sustentar tal pretensão. E nessa linha de raciocínio vão também a autoridade policial e o Ministério Público. Mas, se a morte advém após uma cirurgia bariátrica (redução de estômago em obeso mórbido), um sentimento de vingança parece se instalar quase que instantaneamente, provocando uma erupção de fatos que criam um ou mais desvios de interpretação a que nos referimos no início deste escrito, principalmente se o paciente era jovem.
Há toda evidência que ninguém aspira que uma pessoa querida, que se submete a um procedimento cirúrgico, morra. Daí entender que o cirurgião é um homicida há uma distância incomensurável. Mas a cultura judaico-cristã, da culpa e do pecado, não nos dá trégua.
Devemos alertar a sociedade que o médico não pode - ou não deveria - sofrer o processo criminal, sobretudo por homicídio, sem uma filtragem mais rigorosa, técnica e ética. O médico está muito longe da figura de ''chefe de equipe'', como ainda é concebido. No caso da cirurgia bariátrica, por exemplo, o paciente permanece em unidade de tratamento intensivo, no pós-imediato, afastando a possibilidade de se alegar destrato ou falta de atenção.
As investigações, às vezes, trazem uma necessidade tão grande de condenar o médico que, durante um processo, são feitas certas empreitadas em pontos absolutamente fora da razoabilidade. Busca-se responsabilizá-lo ilimitadamente. Autoridades policiais, promotores, advogados, testemunhas e até julgadores têm a cultura da culpa e do pecado, sendo leigos em ciência médica.
Para um médico, ser processado por homicídio em razão é sofrer um peso maior do que pode carregar. Porém, perceber que a busca pela sua condenação percorre um caminho passional é maior do que o sofrimento. É uma quase-morte. O Brasil precisa evoluir para esclarecer o que a cirurgia bariátrica é para os obesos mórbidos. Tratar os cirurgiões como criminosos seria a absurda hipótese de condenar a todos, pois as mortes são contadas em frios números estatísticos. O momento é do conhecimento multidisciplinar, sendo vital para a mantença da paz social.
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