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SP: Famílias "esquecem" idosos em hospitais
02/05/2006
São 15h30 de uma quinta-feira, horário de visita. Em cadeiras de rodas, pacientes idosos atravessam sozinhos os jardins do hospital até a porta de entrada para ver quem chega, mas ninguém vem.
Um número desconhecido de idosos são "esquecidos" pelas famílias e amigos em todos os tipos de unidades hospitalares e pelos mais diversos motivos -sociais, econômicos, conjunturas familiares -como uma briga e erros do passado. É mais comum encontrá-los nos hospitais de retaguarda, aqueles que recebem os pacientes mais graves, onde passam por longos períodos em tratamento e têm atenção constante.
A maior unidade de retaguarda do país, o Hospital Geriátrico e de Convalescentes Dom Pedro 2º, da Santa Casa de São Paulo, com 463 pessoas internadas, calcula que só um terço receba visitas freqüentes -ao menos uma vez por semana, apesar de a maioria ter família com nome e endereço registrado. Além disso, seguindo o Estatuto do Idoso, o hospital no Jaçanã (zona norte de SP) permite acompanhantes em tempo integral.
Para a maioria dos pacientes, no entanto, a regra são visitas esporádicas, que variam de uma vez a cada 15 dias e uma vez ao ano a nenhuma visita. Mais de 60% dos internos são idosos e sofrem de problemas neurológicos, como seqüelas de um derrame, e demências, como Alzheimer.
"É longe. Eu trabalho. São Paulo é complicada", ouve a assistente social Ana Paula de Souza das famílias quando telefona para falar da ausência. "Aos domingos, dia tradicional de visitas, há mais voluntários do que familiares", diz ainda a assistente social.
Na ausência de pessoas conhecidas, esses funcionários tornam-se a referência. Pedro, de 60 anos, não pode passar um dia sem ver Ana Paula. Com seqüelas de um derrame, está em cadeira de rodas, passa o dia passeando pelo jardim, fala com dificuldade.
"Um dia vou te trazer um queijo de Minas", diz Pereira a Ana Paula. Segundo ela, a família costuma visitá-lo uma vez por ano. "Antes do Natal", afirma ela.
Morando há 36 anos no hospital, Regino Pereira da Silva, 66, sempre perfumado e arrumado, desliza pelos corredores em uma cadeira de rodas em que pode ficar deitado de bruços e empurrar as rodas rapidamente com os braços. Vítima de uma bala perdida quando trabalhava em uma lavoura em Goiás, ele não pode ficar sentado por causa das dores. Mesmo assim faz cachecóis coloridos e já trabalhou na fábrica de fraldas que levava serviços ao hospital. Regino fala sem mágoas das poucas visitas que recebe.
"Só tenho uma irmã, os outros me visitavam, mas faleceram. Ela está doente, problema na coluna, e com idade. Mora na Bahia, o dinheiro é fraco. Neste ano ela disse que vem. Mas aqui as pessoas são excelentes. Só tenho carinho."
"A vida em cidade grande não é fácil, todo mundo trabalha, ninguém tem tempo, e o idoso, enquanto faz comida, cuida dos netos, é aceito. A partir do momento que tem um AVC [derrame], quem vai cuidar?", diz Sueli Luciano Pires, diretora técnica do hospital. Segundo ela, a unidade evita condenar as famílias, mas tenta, por meio de conversas, trazê-las para mais perto e, assim, evitar problemas como depressão, que atingem alguns dos pacientes "esquecidos". "No passado éramos criadas para cuidar das mães. Hoje, para ser donas-de-casa, trabalhadoras e mães, só isso."
Norma Malatesta, de 80 anos, é das raras familiares que fazem visitas diariamente ao hospital. Acompanha a evolução da irmã Elvira, de 81, com problemas neurológicos. "Sempre moramos juntas. Íamos muito ao cinema."
Damaris Felipe dos Santos, 72, talvez seja um dos casos mais antigos de esquecimento dos doentes. Nasceu com problemas congênitos e desde os 12 vive na Santa Casa, hoje em cadeira de rodas. Lúcida, conta que, no abandono, construiu nova vida. Seu amor, José dos Santos, 78, conheceu no hospital. "Tanto homem bonito e ela me escolheu", diz Santos. "Eu gostei dele", afirma Damaris.
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