Por José Luiz Toro da Silva, advogado, Mestre e Doutor em Direito, Consultor Jurídico da UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde
Os termos da Lei n. 14.307/2022 sobre o processo de atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar, tornam mais célere, transparente e participativo o processo de incorporação de novos procedimentos, medicamentos e tecnologias que serão incorporados ao Rol de Procedimentos e Eventos da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. A norma fixa prazos mais exíguos, estabelecendo a incorporação automática caso a ANS não aprecie os aludidos pedidos no prazo estabelecido. Cria uma comissão com a participação do CFM – Conselho Federal de Medicina e de outros representantes da sociedade, fixando em lei os critérios que deverão ser observados. Estabelece a cobertura automática das tecnologias avaliadas e recomendadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC). E reafirma que cabe à ANS, por delegação dos legisladores, a definição do rol de cobertura, não podendo este, portanto, ser determinado pelos juízes, de forma individual em cada processo judicial.
A nova lei reforça que a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS, deixando reafirmada, portanto, a taxatividade do rol, pois qualquer nova incorporação deverá observar os requisitos previstos em lei.
Qualquer entendimento contrário irá confrontar com o princípio da legalidade, bem como irá afrontar o Estado Democrático de Direito e a separação dos poderes, pois os legisladores deixaram clara a mencionada competência e os critérios para a incorporação das novas tecnologias.
Em resumo, a lei nova que aperfeiçoa o mencionado processo de incorporação deixa expresso que as coberturas de tratamentos antineoplásicos de uso oral são de cobertura obrigatória nos planos ambulatoriais e de internação hospitalar, conforme prescrição médica, desde que os medicamentos utilizados estejam registrados perante a ANVISA, com uso terapêutico aprovado para essas finalidades e sujeito ao processo administrativo de atualização do rol. O fornecimento dar-se-á em até dez dias após a prescrição médica, podendo ser realizado de forma fracionada, sendo obrigatória a comprovação de que o paciente ou seu representante legal recebeu as devidas orientações sobre o uso, conservação e o eventual descarte do medicamento. Esse processo de incorporação deve ser analisado de forma prioritária e concluído no prazo de 120 dias, contado da data em que foi protocolado o pedido, prorrogável por 60 dias corridos quando as circunstâncias assim exigirem.
De acordo com a 14.307/22, a atualização do rol será realizada por meio de processo administrativo, com observância da Lei n. 9.784, a ser concluído no prazo de 180 dias, contado da data em que foi protocolado o pedido, prorrogável por 90 dias corridos quando as circunstâncias o exigirem. Finalizado o prazo sem manifestação conclusiva da ANS, será realizada a inclusão automática do medicamento, do produto ou procedimento, até que haja decisão da ANS, garantida a continuidade da assistência iniciada mesmo se a decisão for desfavorável a inclusão. A lei estabelece os requisitos do processo administrativo, abrangendo consulta pública e, eventual, audiência pública.
As tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela CONITEC, cuja decisão já tenha sido publicada, serão incluídas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar no prazo de 60 dias.
Outro ponto é a instituição da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, cuja composição foi estabelecida em lei. A decisão da comissão deverá se pautar pelas melhores evidências científicas disponíveis e possíveis sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade, a eficiência, a usabilidade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento analisado, reconhecidas pelo órgão competente para registro ou par aa autorização de uso; avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol, quando couber; e análise do impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar.
As alterações introduzidas na lei se aplicam aos processos em curso na data de sua publicação para a ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar. E a ANS editará normas para o devido cumprimento desta lei no prazo de 180 dias, contado da data da publicação, que ocorreu em 3 de março de 2022.
Como já tivemos oportunidade de salientar em outras ocasiões, as coberturas, por força de decisões judiciais, de procedimentos não previstos no rol da ANS, geram iniquidades e distorcem o princípio do mutualismo que se aplica aos mencionados contratos, bem como ferem o princípio da igualdade, resultando em preços mais elevados para todos, pois a imposição “pelos juízos de coberturas que não têm amparo na legislação vigente geram, muitas vezes, externalidades positivas para os consumidores e negativas para as operadoras de planos privados de assistência à saúde, resultando em distorções nos custos dos planos e, principalmente, nos seus cálculos e estudos atuariais, impondo o oferecimento ao mercado de planos mais caros, que acabam restringindo o acesso de muitos consumidores a este mercado”
A publicação da Lei n. 14.307, de 2022, reforça, reitera-se, que o rol não pode ser considerado exemplificativo, sob pena de sério descumprimento do Estado Democrático de Direito, deixando expresso no parágrafo 4º. do artigo 10 da Lei n. 9.656, de 1998, com a citada alteração, que “A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS”, lembrando, ainda, que o art. 4º., III, da Lei n. 9.961, de 2000, que criou a ANS, também deixou claro que compete à ANS “elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão a referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades”.
Se impõe, portanto, a observância do princípio da legalidade, no que concerne as coberturas exigidas dos planos privados de assistência à saúde, se impondo a exegese da taxatividade do rol de procedimento e eventos da ANS, na sua integralidade, não se admitindo, qualquer, excepcionalidade, pois é o Estado que tem o dever jurídico de observar o princípio da integralidade, por força do artigo 196 da Constituição Federal, não os planos de saúde.